domingo, 9 de agosto de 2009

Considerações sobre a redução da maioridade penal


São Luís, 07 de agosto de 2009
Por Jonathan Guimarães

Mais uma vez a discussão em torno da redução da maioridade penal ganha grande destaque nos meios de comunicação de massa e no debate público atual.Claro que as argumentações que ora se apresentam provocam uma tensão social surgida das opiniões conflitantes sobre o tema e partem evidentemente de uma problemática que aflige o país: casos de adolescentes envolvidos em atos infracionais. Ledo engano pensar que esta preocupação e as propostas daí advindas em reduzir a imputabilidade penal encontra suas raízes na contemporaneidade brasileira.Desde a outorgação do primeiro Código Penal da nação brasileira, em 1830, percebe-se a existência de debates calorosos para definir este marco, tendo modificado de lá para cá as idades que estabelecem a maioridade penal em nossa sociedade.É notório atentar que, mesmo em épocas anteriores as idades para se julgar uma pessoa criminosa tenha sido bastante reduzida em relação à atualidade, não podemos esquecer-nos do contexto histórico-social em que foram produzidas e as concepções que se tinham sobre a infância.Philippe Áries, historiador francês, nos informa que o sentimento que hoje possuímos sobre a infância enquanto ser digno de uma atenção especial e com suas peculiaridades de desenvolvimento social, irá se constituir em um processo lento ao longo da idade moderna. Durante a idade média, por exemplo, as crianças confundiam-se com os adultos assim que se consideravam capazes de exercerem algumas atividades sem a ajuda da mãe ou ama, que se dava geralmente por volta dos sete anos de vida, a chamada “idade da razão”, para os poetas barrocos.Esse modo de conceber as crianças enquanto seres diluídos dentro de uma teia social perpassará também no contexto brasileiro sistematizada ainda no Código Penal de 1890, onde fixa a imputabilidade penal plena, com caráter objetivo, nos quatorze anos de idade.Com o desembocar do século XX, no bojo das discussões republicanas de construção de uma sociedade ideal, a questão infanto-juvenil ganha conotações políticas. Nesse momento ressalta-se a necessidade de intervenção do Estado na educação e/ou correção, de modo que como futuro cidadãos pudessem incorporar desde cedo a importância de seus papéis úteis e produtivos a serviço dos objetivos da nova nação.No entanto, a preocupação não se dará na mesma medida e da mesma forma com todas as crianças. Ela recairá sobre aquelas que potencialmente representaria uma ameaça ao projeto político do Brasil: as crianças pobres ou como preferiam “menores”. A consolidação desta idéia vem em 1927, com a promulgação do primeiro Código de Menores brasileiro, fruto de uma aliança de médicos higienistas e juristas que tratava das questões relativas a assistência e proteção dos “menores”.Com base na doutrina do Direito do Menor, esse aparato jurídico possuía uma estrutura de forma centralizada, limitando a participação de diferentes atores políticos, onde o Juiz de Menor detinha poderes de execução, legislação e de aplicação da lei. Aspecto ainda relevante reside no fato da grande importância que possuía as unidades de internação, já que elas seriam as responsáveis por corrigir deficiências e falhas existentes no processo de socialização do “menor”. Para isso foi pensado todo um mecanismo de controle, guarda, vigilância, reeducação, reabilitação e reforma. Como afirma a promotora de justiça Janine Borges Soares, o Código de Menores reflete um profundo teor protecionista e a intenção de controle total das crianças e jovens, consagrando a aliança entre Justiça e Assistência, constituindo novo mecanismo de intervenção sobre a população pobre.O Código Mello Mattos, como ficou conhecido o primeiro Código de Menores, estabeleceu que o menor abandonado ou delinqüente, menor de dezoito anos, ficaria submetido ao regime estabelecido por este Código, eximindo o menor de catorze anos de qualquer processo penal, e submetendo o maior de catorze e menor de dezoito anos a processo especial.Em 1979, sob influência do Regime Militar, essa legislação passa por uma reformulação, mudando sua base doutrinária baseada agora no conceito de “Situação Irregular”. Fica clara com esta mudança, a necessidade de se deixar evidente o controle que deveria ter aqueles considerados de condutas suspeitas, ou que sofriam maus-tratos da família, ou estavam em situação de abandono pela sociedade, ou seja, qualquer pessoa até dezoito anos de idade que não se ajustassem a um padrão estabelecido visto que apresentavam uma patologia social.Depois de viver sob um regime ditatorial, o Brasil passa então por um processo de redemocratização política e os movimentos sociais ganham forca, se mobilizam e se rearticulam reivindicando maiores direitos de participação. No cerne desse movimento vários segmentos da sociedade brasileira clamam por mudanças também para o segmento infanto-juvenil, cujo aparelho jurídico não correspondia com a nova realidade por qual passava o país.A mudança vem com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988 no seu Artigo 227. O artigo, baseado na Doutrina da Proteção Integral perpassará também o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, este por sua vez, promulgado a 13 de julho de 1990, passa a tratar a temática infanto-juvenil como prioridade absoluta na formulação e implementação das políticas públicas enquanto sujeitos de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento, co-responsabilizando os diversos atores sociais para a garantia desses direitos.Não restam dúvidas a grande transformação de paradigmas que houve com esta nova lei, considerada uma das mais avançadas no mundo para este segmento. A alteração jurídica parece não corresponder a uma alteração cultural na forma de conceber a realidade daquelas crianças que ainda não fizeram sentir de perto o que lhe foi prometido, que apesar de dezesseis anos de promulgada, há um fosso enorme entre direitos legais e direitos reais em nosso país. Sem falar na permanência de concepções atreladas a um ideal autoritário, resquícios de uma cultura política despótica e impositiva, o que faz que o ECA torne-se subordinado a tais práticas, com presença ainda visivelmente em parcelas conservadoras de nossa sociedade.Fato relevante é que, apesar de mais uma década de existência, vê-se ainda grande distorções sobre o que ela representa. Uma dela condiz com a inexistência de medidas punitivas àqueles que cometem algum ato infracional, difundindo a idéia de incentivar a criminalidade através da impunidade. O Estatuto em seu artigo 6º do Capítulo I reforça que “na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se destina”, e portanto, não quer dizer necessariamente que as crianças e adolescentes que cometem ato infracional não venham ser responsabilizado. Para isso trata em seu Título III sobre esta questão, onde estabelece seis medidas a serem aplicadas na ocorrência de crime ou contravenção penal sendo eles autores: a advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; e a internação de um período que pode chegar até três anos, o que corresponde a 10% do total de pena máxima que um adulto pode ter. Por privilegiar o aspecto educacional e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (art. 100), para alguns o ECA ainda não se legitimou socialmente sob a égide de uma perspectiva criminalizadora dos antigos códigos de menores.Para finalizar, considero válido fazer uso do pensamento do cientista político Edson Passetti: “ou ampliam-se às conquistas jurídicas consagradas no ECA, renovando a mentalidade dos juízes, promotores e advogados (e da sociedade em geral), ou caminharemos para o retrocesso à situação do início do século passado com prisões e internatos, só que agora em instalações computadorizadas e controladas por fibra ópticas, reconhecendo-se que nada servem para corrigir comportamento ou educar”.

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