quarta-feira, 15 de abril de 2015

FÓRUM ESTADUAL DE MULHERES MARANHENSES



                                                             São Luís, 15 de abril de 2015.

Às Entidades da Sociedade Civil Maranhense 

No Brasil, desde as últimas décadas do século XX, os movimentos de mulheres e feministas se constituem em grupos de importância máxima e estruturante no processo de construção democrática, na luta pelo reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos e na formulação de políticas públicas junto ao Estado de direito. 

Nesse processo de luta destaca-se o enfrentamento das desigualdades fundadas nas relações sociais capitalistas, nas relações patriarcais de gênero e no racismo. 

No Maranhão as organizações Feministas e de Mulheres criaram em 1986 o Fórum Maranhense de Mulheres com a finalidade de articular as lutas das mulheres visando assegurar os direitos e a cidadania das maranhenses. A ação do Fórum, nesses quase trinta anos de luta em conjunto com organizações de mulheres regionais e nacionais, possibilitou a criação de conselhos de direitos, organismos executivos, delegacias, varas, promotorias, casas abrigo, centros de referência, defensorias da mulher, assim como a realização de conferências e elaboração de planos de políticas para as mulheres, nas esferas municipais, estaduais e federal.

Importante destacar dentre essas vitórias a criação de instrumentos legais de proteção e assistência às mulheres, a exemplo da Lei Maria da Penha, que dispõe sobre mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, responsabilizar e punir agressores pelos atos de violência, que agridem, mutilam e penalizam milhares de mulheres, literalmente matando em vida as sobreviventes. 
Todas essas conquistas evidenciam que não se garantem direitos sem a participação ativa de movimentos sociais organizados junto às instituições nos espaços público e privado. Apesar disso, observa-se que no Maranhão as mulheres continuam com sua proteção severamente comprometida, na maioria das vezes por hiposuficiência técnica dos operadores do sistema de garantia de proteção à mulher, conforme preconiza a Lei Maria da Penha. 

Esta situação se agrava quando os órgãos responsáveis pela aplicação da Lei Maria da Penha não vêm atuando conforme as determinações da referida Lei. Frequentemente por não terem conseguido se apropriar da superação da lógica de perceber o crime de violência doméstica ou intrafamiliar como bagatela doméstica, percepção comum anterior à Lei Maria da Penha, que foi imposta ao nosso país como uma condenação por negligenciar as mulheres em risco de violência. 

Têm sido recorrente as denúncias de mulheres vítimas da atitude de descaso, inoperância e visão equivocada de setores da segurança pública e do poder judiciário, com atribuição de registrar, apurar e julgar os casos envolvendo violências contra as mulheres. São denúncias gravíssimas contra delegados, juízes, promotores que não conseguem encaminhar os procedimentos legais necessários à efetivação da Lei.

 Esses fatos se agravam mais ainda quando analisamos processos que tramitam ou tramitaram na Vara Especial de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em Varas da Família e no próprio Tribunal de Justiça do Maranhão - TJMA. São casos de análise distorcida e de aplicação equivocada da Lei Maria da Penha e do próprio Código Civil em diversos processos judiciais, revitimizando institucionalmente as vítimas e deixando impunes dezenas de agressores, transformando a vítima em ré no processo. 

Ilustram essas assertivas denúncias recebidas pelo Fórum Maranhense de Mulheres sobre processos envolvendo a aplicação da Lei Maria da Penha e do Código Civil que demonstram a vulnerabilidade das mulheres, a inoperância e os equívocos da aplicação destas Leis.

 - Na Vara Especial de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher:

  Crime de ameaça praticado por ex-companheiro julgado favorável ao agressor, com justificativas para tais ameaças sofridas, o fato da vitima ter permanecido na casa e por ter ocorrido suposta relação extraconjugal; também o crime de agressão física sofrida pela vitima com registro de Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher foi julgado sem efeito pela Vara.

  Morosidade judicial em processo de crime de violência doméstica, devido, dentre outros motivos, a alegação de impedimento para atuar no processo por parte de juízes e promotores, fortalecendo acusações do agressor, na tentativa de difamar, desqualificar e deslegitimar a vítima em espaços públicos.


Processo por crime de injúria, violência moral, violência psicológica e violência patrimonial. Este caso se torna mais peculiar quando a primeira magistrada respondendo pela Vara Especial de Combate à Violência Doméstica e Familiar de São Luís preside uma audiência de “conciliação” de horas, envolvendo vítima, agressor e filhos da vítima, discutindo meramente questões pertinentes ao direito de família, minimizando completamente os crimes apurados no inquérito em andamento na delegacia especializada, reconhecidos em decisão liminar da vara da infância e revitimizando institucionalmente a vítima. 


Cumpre destacar que o processo está sob a responsabilidade de um quarto magistrado, em seu primeiro processo sob a égide da Lei Maria da Penha. Os operadores do direito parecem minimizar o que limpidamente preceitua o artigo Art,. 5º da Lei Maria da Penha: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

 - Na Vara de Família e TJMA: 

Omissão, descaso e preconceito dos operadores do Direito no processo de guarda dos filhos, do primeiro caso acima citado, expressos na decisão proferida pela Vara da Família (“Conduta absolutamente inadequada da requerida em relação aos deveres matrimoniais”), bem como no voto do Desembargador da Câmara Cível do TJMA (“O adultério é uma conduta desabonadora por parte de uma mãe, que, sem dúvida, é um exemplo a ser seguido pela filha”). Estes exemplos, a divulgação quase diária de violências contra as mulheres, incluindo-se as altas taxas de feminicídio, além das dezenas de mulheres que reivindicam apoio ao Fórum de Mulheres e órgãos de proteção, demonstram a vulnerabilidade das mulheres em situação de violência, confirmam a parcialidade da atuação de parte do poder judiciário tecnicamente e ideologicamente alicerçada na cultura machista e patriarcal ainda vigente na sociedade brasileira e maranhense. 


Estão sob análise dezenas de decisões e pareceres do Ministério Público. Alimentar esta cultura é fortalecer os mecanismos de defesa amplamente utilizados pelos acusados de culpabilizar, penalizar, desqualificar, violentar moral e psicologicamente as vítimas, seus familiares e testemunhas. 

Merece repúdio as tentativas recentes de criminalizar militantes dos movimentos mulheres e feministas quando se colocam em defesa das vítimas. Trata-se de uma atitude clara de intimidação, objetivando desestabilizar e deslegitimar esses movimentos na luta em prol da efetividade da Lei Maria da Penha, do reconhecimento da violência contra as mulheres como violação de direitos humanos e não mais meros crimes de menor potencial ofensivo.

Mesmo com os limites e falhas mencionados, sabemos que existe hoje uma grande preocupação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública de garantir a eficácia de seus atos e melhorar a relação com a sociedade. 

A criação das Varas de Violência Doméstica e Familiar, das Promotorias da Mulher e dos Núcleos da Defensoria para cuidar de questões relacionadas aos direitos das mulheres em São Luís e outros municípios do estado demonstram essa preocupação. 

Por essa razão solicitamos atenção dessas instituições para coibir o preconceito, as percepções discriminatórias e sexistas na tramitação dos processos, principalmente, se consideramos que, em geral, as mulheres se encontram em desvantagem, já que os conceitos, valores e símbolos criam representações e práticas em que as mulheres são posicionadas como hierarquicamente inferiores, vivenciando situações de grande desigualdade. 

Convidamos os movimentos sociais, sindicatos e outras organizações da sociedade civil para se solidarizar e engajar na luta pelos direitos humanos e enfrentamento a violência contra a mulher, um problema que não diz respeito apenas aos movimentos feministas e de mulheres, mas sim uma questão da sociedade e do Estado. 

Saudações democráticas e Feministas, 

Mary Ferreira
Maria Luiza Mendes 
Florilena Gomes Aranha 
Coordenadoras do Fórum Maranhense de Mulheres

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